Da fome extrema a bomba nuclear e como isso mudou completamente a lógica de poder na Ásia oriental

Post originalmente escrito para a Revista Vinte&Um
Continuando a série de textos sobre a situação norte-coreana, acredito cada vez mais que foi acertada a ideia de fazer uma série de textos. Foi uma semana conturbada, com uma escalada nas tensões com os Estados Unidos e grande parte do que aconteceu esta semana tem a ver com o capitulo de hoje na nossa coletânea.
Fim da União Soviética significou não só o fim de ajuda externa, mas um grande problema energético, já que as exportações de petróleo e gás eram subsidiadas para países do bloco socialista. A falta de dólares para comprar no mercado foi um desafio enorme para o regime que culminou na redução drástica das importações.
Segundo problema para os anos 90: as enchentes. Desde os anos 80, a Coreia tentava ser autossuficiente, principalmente no que se refere a agricultura. Ainda que apenas 18% da área total do país fosse própria para o plantio, existia a crença de que com o uso intensivo de fertilizantes e pesticidas, eles poderiam superar as adversidades naturais. Não é um país que via no comércio internacional o uma solução para a crise de abastecimento. A ajuda humanitária enviada na época era apossada pela elite do país que revendia os produtos, o que leva a um empobrecimento ainda maior dos mais necessitados do país.
É nessa conjuntura que Kim Jong-il, pai do atual líder, vira o presidente da República Democrática da Coreia. Ao contrário do Vietnã e a China, que ao colapso de Moscou, optaram por fazer uma abertura econômica, o Norte foi para um caminho oposto, isolamento ainda maior. Como forma de manter o poder, o regime inicia a política Songun, que dava primazia ao exército em detrimento das condições da população civil, que a essa altura caia drasticamente.
A situação de fome começa a melhorar na virada do século, com safras mais produtivas. Tendo apenas duas refeições diárias, entre um e três milhões já tinham morrido até que a situação melhorasse. Só em 2002–2003 que a política governamental sofreu mudanças significativas à medida que o regime tentou realizar uma série de reformas econômicas destinadas a estimular a economia privada e tirá-la da informalidade. Atento a uma mudança de atitude, a Coreia do Sul busca uma reaproximação.

A famosa Sunshine Policy, que em 2000 rendeu o Nobel da Paz ao presidente sul coreano Kim Dae-jung, tinha como base três pontos principais: nenhuma provocação armada pelo Norte seria tolerada, o Sul não tentaria absorver o Norte de nenhuma maneira e o buscaria ativamente a cooperação. Nesse clima de respeito mútuo e o ápice das boas relações norte-sul que o Parque Industrial de Kaesong é inaugurado em 2003 na Zona Desmilitarizada, como forma de alavancar a indústria de software do Norte.
Se tudo apontava para a melhoria das relações, nesse momento é importante ressaltar um aspecto da política norte coreana: o medo gerado após a invasão do Iraque em 2003. Para se ter ideia, assim que a imprensa ocidental reportou que a declaração de guerra era, de certa forma, uma tentativa de assassinato contra Saddam Hussein, foi noticiado que a equipe de segurança de elite do líder norte-coreano o levou para um complexo subterrâneo aos arredores de Pyongyang. Assim, em setembro do mesmoa Coreia do Norte sai do acordo de Não Proliferação Nuclear, alarmando a comunidade internacional.

Todo alarde para que sanções fossem impostas era justificado, já que outubro de 2006 culmina no primeiro teste nuclear bem sucedido e coloca o país na lista de outros 8 com armas nucleares. Numa análise a posteriori, é claro que isso culminaria na noticia atual de que o programa avançou e já possui tecnologia avançada, porém a época houve um esforço enorme que chegou a dar resultados: a Agencia Internacional de Energia Atomica (AIEA) chegou a confirmar que o reator nuclear tinha sido desligado e foi acordado que um valor que serviria como ajuda humanitária ao país.
Ao mesmo tempo, as autoridades norte-coreanas começaram a tomaram medidas para minar a economia privada, que tinha sido recentemente aberta. A campanha anti-mercado, entre 2005 e 2009, culminou com as reformas monetárias de 2009, que foram projetadas para eliminar as reservas de caixa acumuladas por empresas privadas. No entanto, as reformas não realizaram seu objetivo anunciado, só irritaram a população em geral que perderam instantaneamente suas economias, criando problemas políticos substanciais para o regime.
2009 também marca o lançamento de mísseis e o fim do acordo que garantia ajuda para o regime. Dai em diante, com o programa só avançou e as conversas para acabar ou congelar o programa nuclear foram infrutíferos. A imprensa internacional também especulava que a saúde de Kim Jong-il só deteriorava.
Como forma de apaziguar os boatos, o líder do regime norte-coreano fez inúmeras visitas em 2010 e 2011 a China e a Rússia, acompanhadas de Kim Jong-un, já apontando para a sucessão na liderança do país. Até que no final de 2011, com a morte de Kim Jong-il, era incerto se seu filho mais novo, Kim Jong-un, de fato seria o sucessor. Ainda que fosse, seria ele o sucessor para abertura do país ou o isolamento crescente?