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Mas o que está acontecendo na Coréia do Norte? #1 — Kim Il-Sung

O passado, presente e caminhos futuros para a situação norte-coreana, colocando em cheque a noção atual que se tem sobre o país e as relações na Ásia-pacífico.

Reprodução/internet

Post originalmente escrito para a Revista Vinte&Um

Com a notícia de que os Estados Unidos estão banindo cidadãos americanos de entrarem na Coréia do Norte, fruto de uma escalada de tensões que vem desde meados de julho quando Kim Jong-un ordena o lançamento de mísseis de longo alcance, aproveito a oportunidade para discorrer sobre os acontecimentos na península e suas implicações para a comunidade internacional.

O que para mim começou como um texto simples, tornou-se necessário dividi-lo em três partes, esta primeira cobrindo o período de Kim Il-sung (até 1994), fundador e presidente eterno da República Popular da Coréia, e nas próximas semanas, Kim Jong-il e o período atual, de Kim Jong-un. O principal motivo seria desmistificar essa caracterização que se tem da Coreia do Norte como um pária perpétuo da diplomacia internacional, para então num segundo momento entender porque então as relações estão do jeito que acompanhamos atualmente e quais são seus desdobramentos para a balança de poder na Ásia oriental.

Portanto, para se entender o momento atual é necessário voltar aproximadamente 60 anos, à Guerra da Coreia. Mais importante talvez que a Guerra em si, seja o resultado do conflito: armistício (ou seja, não há um tratado de paz), divisão entre norte e sul (sem o reconhecimento mútuo) e uma zona desmilitarizada.

Pouco se diz sobre o período posterior ao armistício, quando o Norte, com a ajuda da China e da União Soviética, realizou investimentos massivos na indústria pesada, infraestrutura e poderio militar, negligenciando a produção de bens de consumo. Na área social, assim como todo país socialista, Kim Il-sung passa a perseguir membros do próprio partido e camponeses acusados de subversão, ao ponto que menos da metade dos membros do Comitê Central em 1956 ainda estavam na política nos anos 60. Apesar da repressão e dos expurgos, a República Democrática fez um progresso econômico impressionante em um curto período de tempo.

Já a Coreia do Sul passa por uma série de revoltas logo após a guerra, várias inclusive de cunho socialista para uma unificação com o Norte, até a década de 70. O país permanece quase estagnado, completamente dependente da ajuda econômica dos EUA. Em 1959, quando milhares de coreanos residentes no Japão concordaram em voltar para a península, quase todos escolheram Pyongyang em vez de Seoul, mostrando a disparidade entre os dois países. Muitos desses coreanos eram bem qualificados e possuíam habilidades científicas ou técnicas, necessárias ao desenvolvimento. Também nessa época o Sul passa um período de ditadura militar sob Park Chung-hee. Traduzindo para nossa realidade, diria que era um ditador quase aos moldes de Pinochet, repressivo e liberalizante.

Já nos anos 70, dois países cresciam muito no mundo: o nosso Brasil e a Coreia do Sul, ambos em média 10% do PIB ao ano. Foi nessa época que o Norte começa a ficar para trás. Para diminuir a dependência dos soviéticos e chineses, o país pede empréstimos estrangeiros para modernizar e ampliar sua indústria, basicamente siderúrgica, petroquímica e têxtil. O plano de pagar esses empréstimos por meio do aumento das vendas de minério no mercado internacional dá errado a partir do choque do petróleo de 1973, com o aumento dos juros e diminuição do preço dos minérios. Em 1974, a Coreia do Norte não consegue pagar os empréstimos, culminando na moratória em 1985 e um decaimento severo na qualidade de vida dos norte-coreanos.

Os anos 90 castigam ainda mais o Norte: a agricultura já debilitada entra em colapso por conta de uma enchente histórica, o fim da União Soviética — significando o fim da maior parte da ajuda externa recebida — e a morte do presidente Kim Il-sung. Pouco se sabe da política interna que culminou na sucessão de Kim Jong-il, mas era previsível que o filho mais velho sucederia como chefe de Estado, até mesmo remontando ao Império Coreano. Os desafios ao novo líder supremo eram claros: como guiar o país em direção às novas tendencias mundiais e a ascensão político-econômica da Coréia do Sul?