67 por cento dos alemães acreditam que Merkel não é mais a líder que ela já foi e talvez estejamos diante do seu último governo

Post originalmente escrito para a Revista Vinte&Um
Confesso que é com muito pesar que eu escrevo esse texto. Digo isso em primeiro lugar porque eu, assim como tantos outros jovens, cresci acompanhando a trajetória de Angela Merkel, primeira chanceler na história alemã. Foi alguém que sempre manteve uma postura íntegra na política, o que devemos apreciar ainda mais nos dias de hoje. Outro grande motivo, mais pessoal, tem a ver com Konrad Adenauer, minha maior inspiração política. Merkel é, de certo modo, herdeira intelectual de todo o legado formulado por Adenauer ao criar a União Democrática-Cristã (CDU), partido hoje comandado por ela.
Reconhecer seus méritos não implica negar que os erros que ela cometeu são gravíssimos. Vejamos os resultados da eleição na Alemanha: após 4 anos de coalizão entre os dois maiores partidos, o CDU e o Social Democrata (SPD), Merkel se distanciou de seu eleitorado de maioria centro-direita ao usar o poder do SPD para dar aval as suas políticas migratórias, sem qualquer debate no parlamento. Nas eleições de setembro o CDU ficou aquém nos resultados esperados, o SPD se enfraquece ainda mais (continuando em segundo lugar), vemos uma volta dos Liberais-democráticos (FDP) e um retorno histórico de um partido de extrema direita, o Alternativa para Alemanha (AfD). O importante aqui é saber que o AfD se constitui, essencialmente, do eleitor médio da União nas regiões da antiga Alemanha Oriental.
Ao ingressar em 2018, após inúmeros fracassos nas negociações para a coalizão do 4º mandato, o SPD está indo contra sua plataforma de campanha e é muito provável que irá formar o governo com o CDU. Ruim para o SPD, ruim para Merkel e pior ainda para a democracia na Alemanha.
Assim, é provável que estejamos diante do último governo Merkel.

Ainda que incontestável líder no CDU, Merkel passou 12 anos sem promover nenhum tipo de engajamento dentro do seu próprio partido para sucedê-la no futuro. Qualquer ator político, se quiser que seu partido continue forte além de seu próprio tempo, tem que fazer esse tipo concessão. Do mesmo jeito que o PDT nunca mais foi às urnas com uma proposta política própria após a morte de Brizola, o CDU – ainda que em menor grau – carrega consigo esse problema. A própria Merkel, sendo ex-Ministra do Meio ambiente (pasta seríssima na Alemanha), foi a grande protégé de Helmut Kohl nos anos 90 e isso era amplamente conhecido, de forma que logo após a derrota em 98, ela passou para secretária-geral do partido e logo após assumiu a presidência do CDU em 2000. Em 2005, após 5 anos como líder da oposição, Chanceler Merkel.
Um problema a se destacar é que os ministros mais importantes de Merkel, ou são do SPD (representado pela figura de Sigmar Gabriel), ou são delegados sem nenhuma voz perante o público ou amídia. Foi o preço a se pagar por tamanha centralização por parte da chanceler, e também pelas concessões que lhe foram exigidas. No caso dos ministros do SPD, seria o equivalente a imaginar Lula escolhendo José Serra para ocupar o Ministério da Fazenda, o que no nossos sistema presidencialista não faz sentido.

Por outro lado, apesar da minha severa crítica a campanha de Martin Schultz, líder dos sociais democratas, as conversas de coalizão estão demandando muito de Merkel, que a todo custo não quer voltar as urnas e ter a chance de perder mais apoio para o AfD. Talvez o que salve Merkel em um momento futuro é que parte do eleitorado do centro, que hoje tende a esquerda, possa passar a ver a União como uma alternativa melhor no campo social e esvaziar ainda mais o SPD, tendo minguado a apenas 20% do parlamento (ante os 32% da União) na última eleição.
Voltando ao subtítulo desse texto, de acordo com a ARD, 67% dos alemães acreditam que Merkel não é mais a líder que já foi enquanto 65% acreditam que ela ainda é uma boa governante. Há redenção para um 5º governo.