tudo joia?

É possível que os dias de glória de Merkel estejam no passado?

67 por cento dos alemães acreditam que Merkel não é mais a líder que ela já foi e talvez estejamos diante do seu último governo

Merkel durante as negociações com a Grécia em 2016 — Getty Images

Post originalmente escrito para a Revista Vinte&Um

Confesso que é com muito pesar que eu escrevo esse texto. Digo isso em primeiro lugar porque eu, assim como tantos outros jovens, cresci acompanhando a trajetória de Angela Merkel, primeira chanceler na história alemã. Foi alguém que sempre manteve uma postura íntegra na política, o que devemos apreciar ainda mais nos dias de hoje. Outro grande motivo, mais pessoal, tem a ver com Konrad Adenauer, minha maior inspiração política. Merkel é, de certo modo, herdeira intelectual de todo o legado formulado por Adenauer ao criar a União Democrática-Cristã (CDU), partido hoje comandado por ela.

Reconhecer seus méritos não implica negar que os erros que ela cometeu são gravíssimos. Vejamos os resultados da eleição na Alemanha: após 4 anos de coalizão entre os dois maiores partidos, o CDU e o Social Democrata (SPD), Merkel se distanciou de seu eleitorado de maioria centro-direita ao usar o poder do SPD para dar aval as suas políticas migratórias, sem qualquer debate no parlamento. Nas eleições de setembro o CDU ficou aquém nos resultados esperados, o SPD se enfraquece ainda mais (continuando em segundo lugar), vemos uma volta dos Liberais-democráticos (FDP) e um retorno histórico de um partido de extrema direita, o Alternativa para Alemanha (AfD). O importante aqui é saber que o AfD se constitui, essencialmente, do eleitor médio da União nas regiões da antiga Alemanha Oriental.

Ao ingressar em 2018, após inúmeros fracassos nas negociações para a coalizão do 4º mandato, o SPD está indo contra sua plataforma de campanha e é muito provável que irá formar o governo com o CDU. Ruim para o SPD, ruim para Merkel e pior ainda para a democracia na Alemanha.

Assim, é provável que estejamos diante do último governo Merkel.

A jovem ministra Angela Merkel e o chanceler Helmut Kohl em 1991 — Deustche Presse-Agentur (dpa)

Ainda que incontestável líder no CDU, Merkel passou 12 anos sem promover nenhum tipo de engajamento dentro do seu próprio partido para sucedê-la no futuro. Qualquer ator político, se quiser que seu partido continue forte além de seu próprio tempo, tem que fazer esse tipo concessão. Do mesmo jeito que o PDT nunca mais foi às urnas com uma proposta política própria após a morte de Brizola, o CDU – ainda que em menor grau – carrega consigo esse problema. A própria Merkel, sendo ex-Ministra do Meio ambiente (pasta seríssima na Alemanha), foi a grande protégé de Helmut Kohl nos anos 90 e isso era amplamente conhecido, de forma que logo após a derrota em 98, ela passou para secretária-geral do partido e logo após assumiu a presidência do CDU em 2000. Em 2005, após 5 anos como líder da oposição, Chanceler Merkel.

Um problema a se destacar é que os ministros mais importantes de Merkel, ou são do SPD (representado pela figura de Sigmar Gabriel), ou são delegados sem nenhuma voz perante o público ou amídia. Foi o preço a se pagar por tamanha centralização por parte da chanceler, e também pelas concessões que lhe foram exigidas. No caso dos ministros do SPD, seria o equivalente a imaginar Lula escolhendo José Serra para ocupar o Ministério da Fazenda, o que no nossos sistema presidencialista não faz sentido.

Cena do único debate televisionado entre Angela Merkel (CDU) e Martin Schultz (SPD) em setembro de 2017 — Picture alliance/MG RTL D/dp

Por outro lado, apesar da minha severa crítica a campanha de Martin Schultz, líder dos sociais democratas, as conversas de coalizão estão demandando muito de Merkel, que a todo custo não quer voltar as urnas e ter a chance de perder mais apoio para o AfD. Talvez o que salve Merkel em um momento futuro é que parte do eleitorado do centro, que hoje tende a esquerda, possa passar a ver a União como uma alternativa melhor no campo social e esvaziar ainda mais o SPD, tendo minguado a apenas 20% do parlamento (ante os 32% da União) na última eleição.

Voltando ao subtítulo desse texto, de acordo com a ARD, 67% dos alemães acreditam que Merkel não é mais a líder que já foi enquanto 65% acreditam que ela ainda é uma boa governante. Há redenção para um 5º governo.