Post originalmente escrito para a Revista Vinte&Um
Comemorando 20 anos da devolução britânica de Hong Kong 香港, o presidente da China, Xi Jinping习近平 está na cidade pela primeira vez desde que assumiu a liderança do país, em 2013.
Aproveito a ocasião para fazer uma breve leitura da história política do local, com um olhar de preocupação com o atual cenário político brasileiro.
Hong Kong, assim como Qingdao 青岛, Shanghai 上海市, Dalian 大连 e várias outras cidades portuárias da China, foram concessões feitas pelo Império Qing às potências europeias ainda no séc XIX, como parte dos chamados Tratados Desiguais. Após a Segunda Guerra, apenas as cidades do Cantão, Hong Kong e Macau, permaneceram sobre domínio europeu.
Sem participação no Conselho de Segurança da ONU até os anos 70, só então a República Popular da China começa a agir diplomaticamente para conseguir a devolução dos territórios. Após intensas negociações com o governo Britânico, a época sob liderança de Thatcher, é acordado que, a partir de 1º de julho de 1997, Hong Kong seria devolvida.

Todas as negociações só foram possíveis pela política de “Um país, dois sistemas” do premiê Deng Xiaoping 邓小平, de forma que Hong Kong manteria todo seu sistema político-econômico sem interferência do regime chinês por 50 anos, até 2047.
Mesmo que o sufrágio universal nunca tenha sido garantido aos cidadãos de Hong Kong sob tutela britânica, em meados dos anos 90, o então governador do território, Chris Patten, tinha planos concretos de uma reforma política. Logo antes da mudança de soberania, foi reiterado pelo Ministério de Relações Exteriores da China que caso o governo da recém Região Administrativa Especial assim optasse, não sofreria qualquer interferência.
É claro que esse papo durou pouco. Assim que a cidade passa para soberania chinesa, a eleição para o Conselho Legislativo (algo como as nossas Assembleias Legislativas) contou com apenas 20 cadeiras abertas para voto popular, das 70 totais. Já o Chefe do Executivo passou a ser eleito por um comitê formado por 400 membros, todos indicados por Pequim. Desse modo, todas as moções em favor de uma democracia geral e irrestrita eram barradas.
Para um regime autocrático, apenas esse controle não bastava. Em 2003 é apresentado uma nova legislação que daria poder ao Executivo para estabelecer novas leis proibindo atos contra o governo central. Nessa ocasião, no 1º de julho de 2003, meio milhão de hong-kongenses vão as ruas contra essa proposta. A partir de então, as marchas pró-democracia voltam com força ao cotidiano da região.
A mídia não poderia ficar de fora. Os maiores veículos midiáticos passaram por uma censura nunca antes vista. Logo após 1997, a autocensura era por medo de retaliações por parte da República Popular, mas ao longo dos anos, as empresas passaram a ser absorvidas por grupos ligados ao Partido Comunista.

Apesar de várias demonstrações, em especial em 2010 e 2014, pouco mudou na vida política de Hong Kong desde então. Inúmeras propostas de sufrágio universal, todas engavetadas no Conselho Legislativo. Partidos pró-Pequim prometendo eleições gerais num futuro próximo, mas nunca de imediato.
Ainda que o Brasil esteja em uma realidade diferente, acredito que há ótimas lições para se tirar de toda essa história. Principalmente pela democracia frágil que temos em nosso país.
A primeira, devemos estar atentos a políticos que veem com bons olhos regimes autocráticos e ditatoriais. Faltou a Margaret Thatcher um pouco de desconfiança em relação a viabilidade de um legítimo respeito a democracia em Hong Kong. Assim, devemos desconfiar de políticos, sejam eles de esquerda ou direita, que fazem apologia a movimentos ou práticas antidemocráticas. Como podemos eleger pessoas que advogam contra o próprio sistema democrático que as elegeu?
A segunda, acredito que seja em relação a mídia. Mesmo que estejamos em um momento de crise com o famoso quarto poder, é importante a manutenção da liberdade de imprensa. Estar atento a possíveis erros, ter discernimento sobre o viés jornalístico e criticar quando necessário, tudo isso é parte do exercício democrático. Quando partidos começam a falar sobre leis de ‘democratização’ da mídia e outras formas de coibir o papel dos jornais, devemos estar atentos. Não queremos jornalistas se autocensurando por represália dos governos federais e estaduais.
A terceira e grande lição que devemos tirar de Hong Kong é em relação a manifestações. Em um momento em que o debate político nacional encontra-se em profunda polarização, é cada vez mais dificil saber quem está do lado de propostas que visam uma mudança positiva para o país. Sempre serão bem-vindas propostas que incentivam o debate, mas devemos estar atentos a partidos e pessoas que fazem propostas intelectualmente questionáveis, propondo fórmulas mágicas e soluções simples. Assim, ao longo do tempo, poderemos consolidar nossas instuições e valores, garantido liberdade de opinião e estimulando discussões, que há algum tempo parece estar faltando em nosso país.